Pular para o conteúdo principal

Cauim - Fermentado com Jiuqu

Dando continuidade ao assunto Cauim; o qual considero um assunto muito importante para nós brasileiros dado que é um fermentado típico da nossa terra, feito pelos indígenas por séculos, talvez milênios. Acho muito importante que nossas experiências gastronômicas reflitam quem nós somos, nossas raízes, nossos valores e nossa terra, e o Cauim representa muito bem isso.

O Cauim, como já dito, era um nome genérico para diversos fermentados nativos, sendo que a matéria prima mais utilizada era a mandioca, a qual sempre foi um alimento muito importante na América do Sul. As lendas nativas de origem da mandioca são todas muito similares entre si e transcrevo abaixo uma versão simplificada da lenda.
"Em um passado distante, a filha de um grande chefe recebeu o espírito da Grande Mãe Terra em um sonho. Ela disse para menina que ela estava grávida de uma criança que traria para todos a benção sagrada do Criador. Então a menina ficou grávida e teve uma bela criança que chamaram de Mani. A criança tinha uma aparência tão maravilhosa que pessoas de todas as tribos vinham vê-la. Após um tempo a criança morreu repentinamente. Ela foi enterrada seguindo todos os costumes da tribo e então uma planta que ninguém conhecia nasceu na tumba da criança, e os frutos desta planta deixavam os pássaros intoxicados. Então o pessoal da tribo desenterrou a planta e descobriu uma grande e maravilhosa raiz. A partir da qual eles aprenderam a fazer comida e uma bebida intoxicante que fazia seus espíritos voarem que nem os pássaros. Eles nomearam essa planta Mani Oca - "a casa de transformação da Mani". "   
Aquarela: O Nascimento de Maní, de Vicente do Rego Monteiro

Bem, como prometido no post anterior, eu fiz minha experiência com o Cauim e o Dry Yeast Balls (Jiuqu) e posto meu relato abaixo.

Comecei juntando os insumos. Comprei a mandioca já descascada no mercado e o Dry Yeast Balls eu comprei nos USA, como disse aqui.
Insumos:
  • 1 kg de mandioca
  • 2 bolas de Dry Yeast Balls
  • Água suficiente para preencher o pote (no caso usei um de 2,5 litros)

E aí, coloquei a mandioca na panela e cozinhei até amolecer bem. Levou mais ou menos uma hora e meia.


Depois de cozinhar a mandioca, eu deixei resfriá-la. Agilizei um pouco o processo colocando a panela na pia com água fria. Sem gelo e sem chiller - não estava fazendo uma super-ultra-science-perfectobrew. :-)

Enquanto a mandioca cozida resfriava, esmaguei os dry yeast balls.

Quando a mandioca resfriou eu coloquei no multiprocessador e bati com um pouco de água transformando em um mingau.

Transferi o mingau para o pote de vidro aos poucos. Colocando um pouco do mingau e um pouco de fermento, depois voltando a colocar um pouco de cada. Coloquei um pano por cima cobrindo, tampei e estava pronto para fermentar! Deixei em um lugar escuro e não muito quente, mas sem necessidade de temperatura controlada.

Depois de um dia foi possível ver umas bolhas acumulando na lateral.



Mais um dia, e as bolhas haviam aumentado e começou a acumular um líquido no fundo.



Passados dois dias e a quantidade de água acumulada no fundo aumentou. Aí eu resolvi mexer o cauim para liberar o CO2 e oxigenar um pouco para as leveduras, uma prática que é recomendada quando se faz o vinho de arroz chinês. Quando eu fiz isso subiu um cheiro sulfuroso que me deu três tipos de medo. Apesar disso mantive a fé e continuei com o experimento.



Passado mais um dia (dia 5) eu abri a tampa e estava borbulhando e subindo um aroma bem forte - e um pouco desagradável. :-/



No dia 10 eu abri, continuava borbulhando e o aroma havia melhorado muito, sumiu boa parte do sulfuroso desagradável e predominou um aroma alcoólico, ácido e frutado.


Doze dias depois e o aroma estava ótimo, bem frutado e alcóolico. Resolvi que era chegado o dia e me preparei para filtrar a parada.



A filtragem é o momento mais trabalhoso. No final o resultado é aquele liquido branco parecendo com leite, e na tijela o mosto residual. Poderia ter resultado mais líquido se eu fosse mais paciente. De qualquer forma, o resultado foi bem decepcionante. A bebida ficou ácida e alcóolica mas sem estrutura para balancear, todo o aroma frutado que eu havia sentido ficou no mosto.

Vai um leitinho aí!?

Bem, não foi meu primeiro fracasso e não será o último. Estou pensando em colocar alguma fruta na bebida para adicionar um pouco de tanino e açúcar, mas ainda não me decidi quanto a qual fruta. Estou pensando em jabuticaba ou manga...


Siga-nos: twitter.com/cervasextremas
Curta-nos: facebook.com/cervejasextremas












Comentários

  1. Curti muito sua experiencia com Cauim. Sou um entusiasta das coisas do Brasil, especialista em bebidas alcoólicas e também faço pesquisas sobre o Cauim e sua metodologia Tupi, bem como futuras aplicações comerciais.

    Deixo aqui meus parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Tenho interesse em produzir uma cerveja cauim porem a partir da fécula de mandioca ! Vc já esperimentar ?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Temperando a Cerveja: Técnicas para Trabalhar com Especiarias

Como Utilizar Ervas e Especiarias Todo cervejeiro caseiro sabe que o lúpulo é a santa erva da cerveja. Mas os que acompanham este blog sabem que muitas outras ervas eram utilizadas no passado antes do lúpulo se destacar, conforme pode-se ver  aqui ,  aqui  e  aqui. Lendo estes posts sobre o Gruit pode-se concluir que fazer cervejas com especiarias e ervas não é nada novo e revolucionário, bem pelo contrário, é a raiz da cervejaria; é a velha escola. Assim, um bom cervejeiro não deve ter medo de utilizar especiarias nas suas cervejas, mas deve ter consciência que a diferença entre algo saboroso e algo intragável pode ser uma pitada a mais de alguma especiaria forte. Creia-me que isso pode acontecer, falo por experiência própria... já arruinei uma cerveja ao colocar apenas uma pitada de cominho.  É muito importante, até se adquirir uma certa experiência, seguir as medidas de uma receita ou seguir parâmetros de referência que alguém já tenha definido. Na dúvida, coloque meno

Festival de Inverno Bodebrown 2015

A Bodebrown realizou ontem (4 de julho) seu festival de inverno com cervejas artesanais, food trucks, encontro de mavericks, bulldogs e música Celta ao vivo. Tudo isto feito na rua em frente à cervejaria aqui em Curitiba. A festa foi excelente, com 13 tipos de cervejas, o usual growler day com a cerveja Saint Arnold 6 e a venda de insumos cervejeiros na loja da cervejaria. Saí de lá feliz da vida, tendo bebido alguns bons chopps, com dois growlers cheios e com dois sacos cheios de insumos para me divertir durante a semana, porém com o estômago vazio. Minha felicidade só não foi completa por isso; devido ao grande número de pessoas os food trucks não estavam dando conta do recado e, após uma espera de mais de 40 minutos, desistimos da pizza que estávamos esperando e fomos embora. Pode-se perceber que a organização subestimou bastante a quantidade de pessoas e por isso havia filas muito grandes para todos os lados. Realmente a Bodebrown representa muito bem, até com m